Lutar contra as incertezas do futuro

O enorme susto e as grandes perdas humanas e económicas levarão a repensar o modelo de sociedade na linha definida pelo Papa Francisco, caminhando num sentido mais humano, menos individualista e mais predisposto à inter-ajuda ou conduzirão a sociedades ensimesmadas, vivendo sobre si próprias e com receio de toda a socialização?
Sexta-feira, 1 Maio 2020

É para mim uma grande honra colaborar com este número comemorativo dos cem anos do Correio dos Açores e é-o tanto mais, quanto se trata de albergar uma importante iniciativa cívica do jornal que visa auxiliar um debate fundamental sobre
o modelo de sociedade e a forma de vida que emergirá depois da pandemia e de que
modo ele se projectará nos Açores.

O primeiro aspecto a sublinhar é que qualquer solução que se venha a criar para os Açores ela não poderá deixar de se incluir numa solução global e ninguém arrisca afirmar com certeza como será esta.

O enorme susto e as grandes perdas humanas e económicas levarão a repensar o modelo de sociedade na linha definida pelo Papa Francisco, caminhando num sentido mais humano, menos individualista e mais predisposto à inter-ajuda ou
conduzirão a sociedades ensimesmadas, vivendo sobre si próprias e com receio de toda a socialização?
Muitos se têm interrogado sobre se os valores democráticos irão prevalecer e, designadamente, aqueles que se prendem com a protecção da pequena parcela de reserva da privacidade que ainda nos restam. Outros, como Paul Krugman, vêem
nas intervenções estatais musculadas a que temos assistido o início de períodos ditatoriais prologados.
Não há certezas, mas pode haver esperanças e deve haver trabalho que nos prepare para o futuro, tanto mais quanto os resultados da política de contenção que Portugal tem, têm sido bastante positivos, merecendo aplauso internacional, por exemplo, no Der Spiegel, New York Times e France Inter.

De um ponto de vista da protecção contra novas crises impõe-se duas coisas: a primeira é acreditar nos alertas dos cientistas e na necessidade de um modelo de desenvolvimento ecológico mais saudável, a segunda é manter um Serviço Nacional de Saúde, com os meios necessários a dar resposta e que não seja necessário improvisar em face de eventuais crises futuras.
Os Açores vão ser fortemente penalizados na crise, à semelhança do resto do país mas, neste caso, acrescem aspectos específicos que se prendem com certeza com a necessidade de intervenção pública para animar a actividade económica e para assegurar a dignidade dos cidadãos.

Preocupa-me o facto da pandemia, com as consequentes restrições à circulação que ditou, e o prático encerramento da Região poder ter efeitos em sectores fundamentais, como o turismo que vinha subindo a um ritmo altíssimo e que agora vai
conhecer os reflexos de uma previsível quebra mundial significativa, à qual se poderá associar os cancelamentos de reservas que foi necessário operar e que podem deixar reflexos.
Pelas suas características únicas, os Açores têm, todavia, todas as condições para se apresentarem como um destino equilibrado, protegido e que corresponda às necessidades do futuro.

Também aqui, como em geral, no debate sobre as opções futuras será preciso contar com os órgãos de comunicação social. A nossa geração não os pode deixar morrer. Cem anos atrás era uma aventura fazer um jornal, mas foi feito. A sociedade
e os órgãos de poder político têm de amparar a comunicação social e esta tem de responder ajudando a saída da crise e apoiando ou fomentando os debates necessários.

In Correio dos Açores – Aniversário- 01-05-2020